Entrevista com TONY FERNANDES, da PEGASUS Books, um das lendas vivas do quadrinhos nacionais

Divulgue nas mídias sociais

Entrevista com Tony Fernandes

Hoje, 03/06/2024 é um dia especial para o quadrinhos nacional, é o aniversario de Antonio Fernandes Filho, simplesmente Tony Fernandes, esse quadrinhista e publicitário, começou nos quadrinhos por volta de 1973. Ficou mais conhecido por seus super-heróis calcados em americanos, como “Fantastic Man” e “Fantasma Negro”. Fez também quadrinhos pornográficos, onde assinava como “Zanzibar”.

É um veterano autor de HQs e outros produtos editorias, como: O Pequeno Ninja, Fantasticman, A Maldição do Guerreiro Ninja, Udigrudi, O Inspetor Pereira, Fantasma Negro, Apache – Um Western Diferente, Capitão (Buana) Savana, O Lobilomem etc. Também produziu diversos livros e edições infantis. Há mais de 40 anos mantém seu estúdio de arte e criação, atendendo editores e agências de publicidade.

Melhor que ler essa abertura é conhecer e se inspirar nesse legado de Tony Fernandes que você vai ler nessa entrevista abaixo! Se não ler, lamento por você.

 

JOSÉ VALCIR: Sua carreira nas histórias em quadrinhos começa em 1973, como foi esse início?

Arte de Ignácio Justo

Arte de Ignácio Justo

TONY: Nos anos 70, eu trabalhava como offIce boy para uma imobiliária de um bairro nobre da zona Sul de São Paulo, apesar de ter feito na época diversos cursos de arte e comunicação. Sonhava em trabalhar com veículos de comunicação e não, especificamente, com HQs. Daí, comprei uma revista da editora Minami-Cunha, nela tinha um anúncio convocando novos talentos. Decidi tentar levar material pra eles. Mas levei alguns meses para fazer uma HQ de 10 páginas de terror. Antes de bater na tal editora, estagiei em agências de publicidade. Nelas, aprendi muitos macetes sobre manchas para storyboards com as dicas dos profissionais mais velhos e experientes. Tinha tanta gente boa de arte que achei que meus rabiscos jamais iriam atingir o nível deles.

• Meses depois, levei a HQ pro lendário Minami Keizi, ex-proprietario da editora Edrel, e Carlos da Cunha, sócios daquela nova casa editorial. Naquele dia memorável, tive o prazer de trombar com um dos meus grandes ídolos: o mestre Edmundo, Rodrigues, desenhista da HQ do Jetonimo, o herói do sertão, que estava em São Paulo visitando os editores. Apesar dos meus rabiscos toscos, os editores acharam que eu era esforçado e me encaminharam para estagiar com o mestre Ignácio Justo, outro meu grande ídolo, expert em HQs de combate, visto que na TV o filme Combate (N. do E: série televisiva, passou de 1962 a 1967, no Brasil) estrelado por Vic Morrow, fazia muito sucesso. Eu acompanhava as HQs do Justo nas edições da Edrel já há um bom tempo e admirava o trabalho dele. Foi uma honra conhecer ele, pessoalmente, e receber dele importantes dicas sobre anatomia e a linguagem dos quadrinhos. Na época, ele ministrava aulas gratuitas todo dia pra mim, pro Ailton Elias, Wanderley Felipe e Lincoln Ishida. Passamos a fazer parte da lendária Turma do Barraco do Justo. Antes da nossa turma havia passado por a lá: Pedro Mauro, Salatiel de Holanda e outras feras. O Justo ajudou muita gente.


JOSÉ VALCIR: Sua formação publicitária foi influenciada pelos quadrinhos, ou já havia uma tendência para as artes bem antes? Se sim, quais foram elas?

Sargento Bronca de Tony Fernandes

Sargento Bronca de Tony Fernandes

• TONY: Sempre fui apaixonado pela área da comunicação, sempre gostei de escrever, muito mais do que desenhar, apesar de adorar gíbis e tentar reproduzir algumas cenas. Na verdade, eu criava textos e transformar eles em HQs surgiu graças a proposta de um editor. Porém, inicialmente, comecei escrevendo livros para adultos usando pseudônimos e ilustrando audiovisuais para empresas. Quando vi o anúncio da revista da Minami-Cunha, decidi encarar o desafio. Porém, o primeiro gibi que criei foi para a editora Saber, em 1973, chamado Sgto. Bronca, uma sátira militar a lá Recruta Zero. Apesar de estar estagiando com o Justo, decidi visitar algumas editoras e, para o meu espanto, surgiu a oportunidade de criar e desenvolver o referido personagem no estilo cômico, apesar dos meus rabiscos Inseguros. Foi uma única edição. Depois, publiquei pela Minami-Cunha, inclusive, trabalhos em parceria com o Justo. Eu fazia a história e os lápis e ele artefinalizava. Certo dia, o Justo me encaminhou para casa do saudoso mestre Nico Rosso e dele recebi dicas fundamentais. Dei muita sorte na vida ao conhecer e poder conviver com esses dois grandes mestres que eu tanto admirava. Anos depois, graças ao Paulo Hamasaki, que conheci na casa do Justo, acabei sendo contratado para ser assistente de arte dele da editora Noblet.. Fui funcionário daquela casa editorial durante 5 anos. Comecei fazendo ‘freelas’, depois fui contratado como funcionário. Com o tempo virei diretor de redação das revistas Hot Girls e Contos Excitantes, e quando sai 5 anos depois, era diretor de arte. Eu faturava mais fazendo freelas. Saí para montar meu primeiro estúdio – ETF, que mais tarde virou minha primeira editora nos anos 80.

JOSÉ VALCIR: Sempre se viu como roteirista ou desenhista?

Capitão Savana - Criação de Tony Fernandes

Capitão Savana – Criação de Tony Fernandes

TONY: Digito sempre que sou um escriba que virou desenhista por uma questão de sobrevivência. Os roteiros sempre foram o meu forte. Nunca me considerei um grande desenhista. Sempre fui ciente das minhas limitações. Desenho por esforço. Ao longo dos anos, especializei-me em desenhos cômicos, como na série do Capitão Savana, que publiquei por anos a fio na revista Akim.

JOSÉ VALCIR: O que o fez migrar de quadrinhista para editor de quadrinhos?

TONY: No meu estúdio, comecei a atender empresas, agências de publicidade e pequenos editores, como a Talamus, Evictor, Act-Vita, Rios, Imprima, etc., criando diversos gêneros de produtos editoriais, revistas e livros, inclusive para adultos. Como alguns desses editores dava canseira pra pagar, acabei optando por editar. Ao visitar o Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, para orçar folders para uma campanha publicitária, o diretor superintendente do jornal me ofereceu crédito para rodar publicações. Não vacilei, afinal, aquela era a oportunidade de não dependermos mais de terceiros.

JOSÉ VALCIR: Na fase como quadrinhista, quais editoras trabalhou? Quem foram seus colegas de trabalho nessa época?

TONY: Muitas… além daquelas que citei, anteriormente, atendia também a Ed. Luzeiro, Ninja, Onix, Edições ERT, Flama, Bloch, Rio Gráfica, Abril, FTD e outras . Eu e a minha pequena equipe atendíamos diversos clientes simultaneamente. Fizemos, inclusive, publicações infantis de atividades e ilustrações para livros didáticos etc.

JOSÉ VALCIR: Havia uma editora antes do surgimento da Pegasus Books?

TONY: Sim. Fundei a ETF, depois a Phenix, com Wanderley Felipe, nos anos 90 – e, atualmente, a Pegasus Books e diversos estúdios de arte e criação, desenvolvendo campanhas publicitárias, storyboards etc. Em parceria com o Wanderley, criei O Pequeno Ninja, um fenômeno de venda – vendeu 125 mil exemplares – foi lançado pela Ed. Ninja e produzido pelo estúdio Felipe-Fernandes Produções.

JOSÉ VALCIR: É possível fazer um comparativo de produção e venda de histórias em quadrinhos dos anos de 1970 para os dias atuais?

TONY: Sim. Atualmente, o mercado é quase inexistente. As HQs nacionais só não desapareceram graças aos editores independentes. A coisa começou a desabar no ano 2 mil. Antes havia diversos títulos nacionais nas bancas. Tivemos excelentes fases que todos tinham muito trabalho. Dava pra faturar legal com HQs, fazendo títulos gringos e nacionais A Grafipar e a Vecchi proporcionaram muito trabalho à nossa classe. Entretanto, como o mercado sempre foi instável para manter o estúdio faturando eu sempre mantive um pé nas HQs e outro na publicidade. Afinal, as contas não param. Esta instabilidade é geral, tanto aqui quanto na América. Basta conhecer as verdadeiras histórias das grandes editoras americanas.

Todas passaram por crises, e a Marvel só foi adquirida pela Disney porque estava falida. Esta é a realidade. Manter um estúdio só fazendo HQs, num país subdesenvolvido, é utopia. O único que conseguiu tal feito foi o mestre Maurício Sousa, um fenômeno editorial de vendas. Nos últimos anos, perdemos muitos leitores, editores, gráficas, bancas de jornais e livrarias. Papeleiros faliram, a própria Abril foi pro saco, assim como as grandes distribuidoras. Num país de dimensões continentais ficou inviável fazer grandes tiragens, como outrora. Ficou impossível distribuí-las. Assim passamos a rodar tiragens medíocres destinadas para um pequeno nicho. Como consequências as HQs se tornaram produtos de elite, luxuosas e caras. É impossível vender barato fazendo pequenas tiragens. Quem lê quadrinhos hoje em dia são colecionadores, gente de idade. A molecada não quer saber mais de gíbis curtem games etc.

JOSÉ VALCIR: Nessa linha de raciocínio, os personagens que criados e publicados na sua editora naquela época para os dias atuais, está tendo mais ou menos receptividade do público? Está mais fácil vender seus títulos hoje, comparativamente?

Fantastic Man - criado por Tony Fernandes

Fantastic Man – criado por Tony Fernandes

TONY: No passado, rodávamos de 30 a 50 mil exemplaress. Rodávamos em rotativas, em papel jornal, para vender mais barato. Em geral, os produtos vendiam cerca de 30 a 40 por cento das tiragnes. Aqueles que vendiam abaixo disso, davam prejuizo. Entretanto, havia a opção de relançar os encalhes, de fazer almanaques ou vender no denominado Mercado alternativo. Havia diversas pequenas distribuídoras com as quais podíamos negociar os encalhes pra pagar as buchas e assim continuar editando. . Hoje isto não existe. Se você rodar de mais, vai morrer com o estoque. Antigamente, o encalhe era o nosso patrimônio. Hoje é prejuízo. Tudo mudou. Algumas séries criadas por mim, no passado, vendiam 40 por cento de 30 mil exemplares. Nada mal para personagens desconhecidos… Não eram um estouro de venda, mas se pagavam, davam um pequeno lucro e ainda vendíamos os encalhes pelas diversas alternativas que relatei acima. Como publiquei durante anos algumas dessas séries são bem conhecidas, como… Fantasticman, A Maldição do Guerreiro Ninja, Fantasma Negro, Capitão Savana, Inspetor Pereira, Apache, etc..

Hoje, elas são nossos carros-chefes da Pegasus Books, ou seja, tem um diminuto público fiel. Mas rodamos por demanda e as tiragens não passam de 200 exemplares. O mundo mudou. Se um editor atual vender 500 exemplares pela web, na atual conjectura, é um herói. Não é fácil atingir o público-alvo nas redes sociais por óbvios motivos… Como aqueles que ainda lêem são pessoas de idades, grande parte dessa gente não frequenta redes sociais ou tem internet. É ilusão achar que todo mundo tem internet no Brasil. Computadotes ainda são caros. Sessenta por cento da população não tem acesso direto. O que se popularizou no Brasil foi o WhatsApp. A maioria tem. Por isso fazemos nossas vendas apenas por ele que anunciamos nas redes sociais. Nelas expomos as capas de nossos produtos editoriais e o nosso sistema de venda. Tem dado certo. Eu não sonho em atingir um grande número de leitores. Tarefa quase impossível nos dias atuais. Mas vendendo 200 exemplares de cada título, para mim, está ótimo. Cobre os custos e deixa um pequeno lucro. Ou seja, dá pra continuar publicando. Mesmo assim, continuamos a desenvolver projetos paralelos e atendimento aos clientes. Não está fácil vender porque boa parte dos leitores sumiu. Apesar dos pesares, hoje tá mais fácil você saber o que o leitor deseja ver em suas edições, porque agora falo com meus leitores diretamente pelo whatsapp. Antes, essa comunicação era mais demorada , por Correios. Detalhe importante… atualmente quanto maior for a estrutura de um editor, maior será sua dificuldade de cobrir os custos fixos. O esquema deve ser enxuto.

JOSÉ VALCIR: Vale a pena investir?

TONY: Depende daquilo que você deseja auferir nas vendas. Como não tenho grandes pretensões de vender muito, o que vendemos, atualmente, tornam nossas edições viáveis. Ou seja, sustentáveis. A continuidade das séries dependem da receptividade dos leitores. Sem eles, os leitores, nada somos. Nenhuma publicação continua sem público. É como programa de TV… deu Ibope, continua. Deu vermelho… tem que parar, fechar. HQs são como outro produto qualquer… Requer investimento e, portanto, tem que gerar lucro. Caso contrário, tem que fechar. Ninguém vai ficar insistindo em investir em algo que ninguém quer adquirir. Se você fabrica um carro e ninguém compra … vai continuar fabricando ele? Só se for doido ou ter muita grana pra queimar. Por isso, hoje precisamos dirigir nossas criações para um público específico. Precisamos atingir a faixa etária que desejamos.. Afinal, fazemos HQs para agradar os leitores e não pra nós mesmo. Quadrinhos, ao meu ver, são artes comerciais e não obra de arte. Muitos artistas ficam muito em caprichar nos desenhos e esquecem o mais importante… criar uma boa trama, um bom roteiro.

Todos nós vamos ao cinema, ao teatro, ou compramos um produto editorial pra nos divertirmos. Se os desenhos for maravilhosos e a história uma merda, com certeza, ficaremos frustrados. Obviamente, os dois são importantes, mas um bom roteiro segura um desenho medíocre, mas um desenho fantástico não segura um mal roteiro. O ideal seria reunir ambos de qualidade numa edição. Porém, isto nem sempre é possível. Toda série tem altos e baixos , inclusive as gringas..

JOSÉ VALCIR: Pelo panteão de personagens (re)publicados pela Pégasus Books, cito-os (corrija-me se eu estiver errado)Apache, Capitão Savana, Fantasma Negro, Fantastic Man, Guerreiro Ninja, Pequeno Ninja, quais tem melhor recepção do público?

• TONY: Como já mencionei, vendemos bem Apache, Udigrudii, Capitão Savana e Além da Imaginação. Os demais são experimentais.. . Isto é, se vender continuam. O contrários, seremos obrigados a fechar eles e criar outras séries.

JOSÉ VALCIR: Como consegue escoar a produção? Formou parcerias? Podemos aguardar histórias inéditas?

TONY: Sim. Hoje temos representantes autorizados no Sul do país, no Rio de Janeiro e agora com vocês do PADA. Ninguém faz nada sozinho e a união deixa todos mais fortes e eficientes. Infelizmente a classe é muito desunida. Há grupinhos que acham ser suficificientes, se isolam e não dão dicas pra ninguém. Uma bobagem. Divulgo e ajudo todos que me procuram. Tem gente que não ajuda ninguém. Começou ontem e se julga o bambambam. Pura idiotice. Só pra explicar…

Nos anos 90, produzimos muita coisa inédita porque sonhávamos em voltar às bancas. Mas as bancas degringolaram de lá pra cá e as bancas viraram lojas de conveniência. Muito desse material que estamos lançando hoje, ficaram “engavetados”. Também estamos reimprimindo edições antigas para os saudosistas, que acompanham essas velhas séries. E novas HQs estão sendo produzidas. Neste exato momento estamos produzindo Apache volume 4, material inédito e outras séries, tudo simultâneamente. Coisa de maluco., além de atender clientes. Quem quer viver de arte tem que fazer de tudo. Criamos triihas sonoras para audiovisuais – sou músico e produtor musical- , f aço locuções , animações curtas

JOSÉ VALCIR: Por sua longa carreira como quadrinhista e editor de histórias em quadrinhos, já são 40 anos (a P.A.D.A. também completou 40 anos esse ano) nessa estrada, como ver os novos quadrinhistas brasileiros?

TONY: Primeiro, parabéns para nós, os jurássicos editores, somos verdadeiros Heróis da Resistência. Rsssss. A nova geração de quadrinhistas nacionais chegou com garra e coragem… Nunca tivemos tantos novos títulos Made in Brazil com qualidade gráfica e artística, salvo raras exceções. Isto foi ótimo. Renovaram nosso insípido mercado e não deixaram nossas HQs sucumbirem. Por outro lado, a concorrência ficou acirrada devido a muitos títulos do mesmo gênero. Acredito que só restará os que de fato se destacarem pela qualidade. Os novos autores hoje possuem recursos maravilhosos que não tínhamos. Se usarem a cabeça, e focar num público-alvo, poderão obter sucesso nessa nova realidade de mercado. Um bom markerting digital também pode ajudá-los. Os leitores precisam de novidades.

JOSÉ VALCIR: Enfim, dê sua palavra final aos neófitos. E agradeço, imensamente, por sua disposição em me atender, prontamente, e ao público padista.

TONY: Acredito que o futuro das HQs será digital. Apesar disso, as edições físicas jamais desaparecerão. Serão casa vez mais raras, escassas e caras. Destinadas para aqueles que gostam e tem poder aquisitivo. HQs populares que vendiam muito, em formato gíbi e em papel jornal, já era. O público que ainda lê, hoje, é colecionador e exigente.

Deseja qualidade. HQs se tornaram produtos de elite, assim como o vinil, Infelizmente. Dica… farwest e terror tem público fiel. Taí um bom filão para ser explorado. Grato, pela oportunidade, Valcir. Até a próxima e muito sucesso pra vcs, guerreiros. Grande mano amplexo. Tamos juntos.


Esse anos em virtude do 40 anos da PADA, fizemos uma parceria com a PEGASUS BOOK de TONY FERNANDES que já esta disponível na loja PADA STORIES.
Uma parceria de ação e aventura

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